Entrevista a Euclides Teca (Treinador Angolano) - Visão sobre Futebol Africano

Olá amigos,

Mais uma entrevista, mais uma pessoa que entrou na minha vida e ganhou o meu respeito e a minha amizade. Conheci o mister Euclides quando comecei a treinar na EAS Cacém. Tínhamos um bom grupo de treinadores, excelentemente liderada pelo Tiago Pacheco (um dia também será entrevistado, pois tem que conhece-lo). Gostava muito dos pequenos debates que surgiam antes do treinos, falar e discutir futebol, Euclides era e é daquelas pessoas com ideias próprias, sustentadas, fala com conhecimento, e procura saber sempre mais. Facilmente nasceu a amizade, e tivemos a oportunidade de trabalhar juntos em dois projectos giros (campeonato universitário e geração 2001 do Cacém). 

Tenho que confessar que quando encontro um negro com as capacidades humanas e intelectuais como Euclides, fico contente, e sendo africano ainda mais (são pessoas como ele que vão lentamente quebrando certos estigmas que a raça carrega durante séculos).

Passo muito tempo a pensar e repensar o futebol africano, e necessidade de o futebol em África crescer. Não conheço Angola, mas não tenho duvidas que estou perante um grande activo angolano, uma pessoa correcta, honesta, leal,  que percebe de futebol, quer apreender mais, e o mais importante para mim é sabe ouvir e não sofre do síndroma do "já sei tudo".

Trabalhamos juntos, tenho plena confiança no seu trabalho, e certamente vamos trabalhar juntos no futuro.

Gostei muito desta entrevista e o objectivo foi conseguido.

S- Nome, idade, profissão?

E- Euclides Machado Teca; 31 anos de idade; Grande a Minha Profissão é o Futebol o resto é conversa.

S- Clubes por onde trabalhaste?

E- Escola Academia Sporting; Atlético clube Cacem.

S- O que representa o futebol para ti?

E- Grande, esse é aquele tipo de Pergunta que as palavras não explicam o que sentimos, mas costumo dizer que o futebol é onde verdadeiramente gosto de estar, rir, chorar (coisa que quase nunca acontece), viver e trabalhar.

S- Tens trabalhado quase sempre na formação, quais as maiores vantagens e desvantagens?

E- Posso dizer que as grandes vantagens são; estar na formação nos obriga a dominar a teoria do futebol (Princípios fundamentais, Princípios específicos, momentos do jogo, métodos de treino.etc.) e a ser criativos no operacionalizar, nos obriga a ganhar maior sensibilidade na comunicação. Mas a grande vantagem mesmo é poder ajudar jovens com muitos sonhos no futebol a descobrirem o seu caminho através do Treino e de muita conversa.

As desvantagens são: No contexto actual somos avaliados pelos resultados dos jogos e não pelo trabalho que desenvolvemos, existe poucas possibilidades de progressão para quem quer treinar a outro nível.

S- Principais desafios que encontras a treinar jovens? Maiores Dificuldades?

E- O principal desafio foi ter de aprender a comunicar para jovens, sem os vícios de quem sempre se preparou para treinar adultos; criar e gerir secções de treinos para mais de 20 jovens, mante-los focados nos objectivos sem castrar o prazer que eles devem sentir nos treinos, contornar a falta de material e por vezes a falta total de condições.

A maior dificuldade foi fazer-me perceber pelos atletas, visto que eu preservo o sotaque de angolano, gerir as expectativas dos pais.

S- No teu entender qual é o papel dos pais nesta etapa? Prós e contra!

E- No meu entender os pais devem ser o ponto de equilíbrio entre o sonho do jovem e as expectativas criadas por tudo que envolve o futebol, ou seja eles devem acompanhar os filhos mais nunca entrarem no coro dos que criam as expectativas.

Prós – No contexto actual, o facto de os pais acompanharem os jogos dos filhos

Contra – O facto de termos que gerir também as expectativas deles, porque infelizmente eles não cumprem com aquilo que deveria ser o papel deles.

S- Sei que estás no teu processo contínuo de formação, onde imaginas estar daqui a 5 anos?

E- Eu gostaria de estar a trabalhar na estrutura de um Clube profissional de uma das principais Ligas da Europa e de preferência contigo como colega lá.

S- Qual é o teu objectivo profissional? Futebol Sénior ou formação?

E- Amigo Sahib, eu quero claramente trabalhar com o futebol Sénior apesar de apreciar o futebol de formação e ter talento para tal, e de ter o desejo de um dia ajudar a alavancar verdadeiramente o futebol Africano a partir de África.

S- És Angolano, e sei que acompanhas muito o futebol africano, como vês o campeonato Angolano?

E- O campeonato angolano ficou mais competitivo porque, hoje o leque de candidatos aumentou mas infelizmente a qualidade dos jogos e dos jogadores decresceu, parece contraditório mas não é, ate 2002 as equipas lutavam para ganhar ou chegar a final das competições continentais (três delas atingiram finais continentais) hoje não conseguem competir nas competições africanas são eliminadas antes mesmo da fase de grupo e perdem com equipas de países de pouca expressão futebolística no continente africano, fico por aqui porque teria muito para falar.

S- A entrada de jogadores e treinadores estrangeiros tem sido benéfica?

E- Grande, não vejo os benefícios, o campeonato está competitivo e ganha em publicidade com esses novos estrangeiros, mas isso não tem reflexos na melhoria da qualidade dos jogadores locais nem do jogo, logo não posso dizer que está a ser benéfico, ate imagino o por quê mas prefiro não apontar dedo a ninguém.

S- O que achas que pode e deve ser melhorado?

E- Podem ser melhorados os quadros competitivos da base ao top, os diversos agentes que rodeiam o futebol deveriam ser mais sérios.

S- Como é a formação em Angola? O que pode ser feito para melhorar?

E- A formação é totalmente deficitária com quadros competitivos desajustados e treinadores com muita vontade mas sem formação, atletas sem chuteiras, com roupas de sénior, campos sem condições para realização de jogos (para teres uma noção dou-te esse exemplo: o jogo esta a decorrer e passam pessoas pelo campo e inclusive passam carros pelo campo, o jogo pára, e depois segue, isso em provas oficias).

Podem começar por dar mais condições de trabalho a quem trabalha na formação, dar condições aos atletas para a prática do futebol.

S- Angola pode ser uma potência no futebol Africano?

E- Sem dúvida nenhuma e por diversas razões. 1º - Angola é um Pais que tem matéria humana de muita qualidade. 2º - Tem cultura desportiva superior a todos no continente africano e só por isso mesmo em tempo de guerra ganhava e dominava em todas modalidades colectivas. 3º - Tem aquilo que eu costumo chamar aura de vencedor, uma cultura de muita exigência terrível é um País que não gosta de vitórias morais, se fores para Angola hoje quase ninguém gosta da selecção de futebol desde aquele empate a 4 bolas com o Mali. 4º - Angola é o país com maior palmares nas modalidades colectivas e domina até hoje as provas continentais, mesmo tendo atletas que só actuam em Angola.

S- Treinar em Angola é uma meta?

E- Sim. Apesar de nos dias que correm essa ideia já não despertar a paixão que despertava em mim, quero treinar em África isso é ponto assente.

S- Que conselho darias a um jovem angolano que tem o desejo de ser jogador profissional?

E- Trabalhar mais e melhor que os outros não chega é preciso procurar e aproveitar as oportunidades em todos os momentos do treino, de repouso, e de jogo.

S- No continente Africano que países vês com capacidade de evoluir no futebol?

E- Não vou falar das que vão regularmente aos mundiais. Etiópia, Zâmbia, cabo-verde, (apesar de ter cometido o erro de contratado um treinador Português),Quénia, Moçambique, Angola que acredito que vai dar salto qualitativo na sua selecção, acredito que os países do Magrebe vão dar um grande salto nos próximos anos.

S- Falam que os negros estão talhados para o desporto, o que falta para termos uma selecção a ganhar títulos mundiais nas camadas seniores?

E- Ganhar mundiais exige muita organização e instituições fortes, temos que encontrar o nosso caminho e não ter receio de assumi-lo. Olhas para as selecções do continente americano, vês que eles encontraram o seu caminho e a sua identidade, que não é nem tem que ser igual ao dos outros, o mesmo tem que acontecer com África, a rigidez táctica ocidental não é o nosso caminho mas isso daria para uma outra conversa meu caro amigo. Falta de uma estratégia da CAF e falta libertar os jogadores do carga Psico-social que é tremenda.

S- Como explicas que as selecções mais jovens africanas consigam boas prestações, e nos seniores não acontece o mesmo?

E- As selecções mais novas treinam juntos quase todo ano e na minha óptica têm uma identidade muito própria no seu futebol, ou seja já encontraram aquilo que o seniores por diversas razões continuam a procura (simbiose, entre a força da técnica e a técnica da força com uma organização que não castra a maneira de ser e de ver futebol do povo Africano)

S- Qual a tua opinião sobre as equipas africanas neste mundial?

E- Participação dentro do que têm feito nos últimos mundiais, eu pessoalmente esperava mais da Côte d´Ivoire, Nigéria, Gana e Argélia, pela qualidade dos seus jogadores e pelos grupos em que estavam, tinham todas elas condições de lutar de igual para igual com qualquer selecção, como ficou provado, e por isso eu estava a espera que uma delas chegasse a meia final, infelizmente estas selecções não têm dirigentes e nem organização forte para dar o devido suporte.

S- Tens alguma história no mundo do futebol que queiras partilhar?

E- Tenho tantas histórias, fui jogar com o Lourel em infantis de 11 na meu primeiro ano no treino, o jogo estava a correr muito bem porque entramos a ganhar marcamos dois golo seguidos mas antes do intervalo eles marcaram três seguidos tudo em ponta pé de cantos, então posto no balneário eu estava tão descontrolado que chego a balneário começo a desenhar o posicionamento de cada um e digo, quando ele cruzar todos você subam que eles vão ficar fora de jogo todos se calaram e ficaram a olhar para mim e eu pergunto perceberam e eles dizem sim, só que o meu colega Bruno chama-me para um aparte e diz-me, o que se passa contigo eu sei que tu não bebes esta louco e eu muito convicto digo temos que lhes deixar em fora de jogo, ele diz mas não sabes as regras do jogo, com tudo isso estava na hora do reinicio do jogo os miúdos a saírem do balneário o Bruno chama a equipa e diz malta não existe fora de jogo nos cantos e todos eles responderam mister nós sabemos o mister Euclides só falou aquilo para ver se estamos concentrado e diz um deles, nê mister e eu já em mim e sem perceber o que me tinha dado para instruir tão disparatadamente, digo malta já não vão sofrer golos de canto porque agora sim vocês estão concentrados. O jogo acabou 4 – 4 não voltamos a sofrer golo de canto apesar do adversário ter beneficiado de uns tantos. No final o tal jogador que pensava que falei aquilo para testar, já no balneário começou a dizer mister Euclides é um mestre, mas mister e se nós não conhecemos as regras o teu truque podia dar errado, respondo e digo não foi truque o mister realmente estava a falar serio e eles começam a gritar o mister está mentir o mister está mentir, e até hoje eles pensam que eu estava a mentir quando lhes disse a verdade.

S- Para terminar, nome de 2 ou 3 jogadores que achas que podiam estar a jogar a um nível superior?

E- Ary Papel, do 1º d´agosto de Angola

Seydou Doumbia, do CSK de Moscovo

Adrien Rabiot, do PSG de França

Bastos, do Fk Rostrov da Rússia

S- Abraço e obrigado!